Níobe assolada

Monica Costa Netto
3 min readApr 10, 2024

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A última caçada dos Nióbidas, afresco de Pompeia.

O destino trágico de Níobe não é chorar eternamente, é a perda total de sua progênie, a morte dos doze ou quatorze filhos, assistir e sobreviver a essa perda. Castigo muito cruel infligido por Ártemis e Apolo, os gêmeos de Leto, a deusa crepuscular por ela insultada. Junto com os filhos, Níobe perdeu naturalmente seu lugar de mãe e, de todo enlutada, tornou-se igualmente viúva. Assim, com a morte do rei Anfião, a filha de Tântalo já não era mais nada, uma estrangeira destruída a quem só restava retornar para a casa da linhagem maldita de onde veio, na Ásia Menor. Se bem que o motivo desse golpe violento do destino nem seja mencionado nas fontes mais antigas do mito e muita coisa tenha sido acrescentada por uns e outros ao longo do tempo.

De todo modo, por sua hybris, sua desmedida, — talvez por sua impiedade (asébeia), um crime para os gregos, ao ousar comparar-se à deusa imortal — a rainha de Tebas expô-se à severa manifestação divina e a sofrer um aniquilamento total. Sua numerosa prole de príncipes e princesas, por ela exaltada acima dos méritos da muito discreta Leto, mãe “pobre” de apenas dois filhos, foi toda exterminada. Pior, seus filhos permaneceram insepultos, porque os deuses transformaram todos os tebanos em pedra.

[E aqui se dá o contraste pedagógico para as mulheres quanto ao lugar delas que vai agradar no Renascimento europeu: Níobe é a rainha soberba, orgulhosa e vaidosa ao extremo, enquanto Leto é uma deusa da fertilidade-maternidade mais arcaica e reservada, recatada, encoberta por um véu.]

Os caçadores mortais sendo caçados pelos vingadores imortais: sangue e pedra, a cena do mito trágico de Níobe é violentíssima. Walter Benjamin (Zur Kritik der Gewalt) dizia que essa violência toda não era bem castigo, não era punição, mas uma brutal manifestação do poder mítico, talvez instaurando um direito. Já que Níobe não teria transgredido uma lei prexistente, mas teria antes desafiado o destino, conjurado a fatalidade, desencadeando uma luta da qual não poderia sair vencedora. Que direito seria esse? O direito da Cidade de pedir contas dos insultos feitos às suas divindades? Benjamin não diz, apenas indica que o mito pode ter essa função.

Chorar sem parar seria, penso eu, um detalhe marcante, uma bela idiossincrasia lendária de Níobe, a forma singular como ela — essa Pietá que, como Maria Madalena, não era santa e cujo destino lacrimoso foi ter todos os filhos massacrados aos seus pés — manifestou sua desolação. E, coisa relativamente rara, Zeus apiedou-se dela. Daí a rocha no monte Sípilo e sua nascente perene ser Níobe, descansando mineral pela graça do senhor do Olimpo, e que parou e não parou de chorar.

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Poema de Sophia de Mello B. Andersen:

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Monica Costa Netto

Uma, talvez estranha, miscelânea de textos concluídos.